PROVOCAÇÃO AO MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO PARA A APURAÇÃO DE RESPONSABILIDADES DE SPAMMERS
(protocolada em 28 de março de 2001)
(Edição nº 001, de 1º de outubro de 2010.)
EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO:
Eu,
AMARO MORAES E SILVA NETO, brasileiro, casado, advogado, regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Secção de São Paulo, sob nº 38.203, residente e domiciliado, nesta Capital, na rua (...), consoante as prerrogativas proclamadas pelo artigo 27 do Código de Processo Penal,
VENHO PROVOCAR SUA INICIATIVA PARA QUE SEJAM APURADAS as responsabilidades dos detentores dos seguintes
emails:
StarMedia_Newsletters@StarMedia.m0.net,
nelsontardelli@yahoo.com.br,
edupf@msh.com.br,
otoaereaembrafoto@bol.com.br,
leonardosss@bol.com.br,
segurosadriana@yahoo.com.br,
promocao.videoland@gm.com,
news@taste.com.br,
divulgue@zipmail.com.br,
angelo@hdedados.com.br,
marketing@shopoeste.com.br,
consultor_financeiro@grandefuturo.com.br
maillingweb@mailling.com.br
haja vista que essas pessoas, através de
spamming, estão atentado contra a segurança e regular funcionamento da
internet (um indiscutível serviço de utilidade), consoante as razões de fato e de direito a seguir expostas, analisadas e fundamentadas:-
i – spam, um breve histórico
Caso a privacidade da caixa postal eletrônica de Vossa Excelência não tenha sido violentada por um invasivo
spam (a correspondência eletrônica comercial não solicitada), de duas uma: ou sua caixa de correio eletrônico não existe ou ela nunca foi acessada...
Para receber o
spam (a mais indesejável de todas as correspondências eletrônicas que se pode receber), o internauta é forçado a pagar sua conta telefônica, pagar seu provedor de acesso à
internet, ter o dispensável trabalho de selecionar a mensagem e, por fim, ter que apagar o inútil arquivo recebido. Ah... somemos a isso a conta da companhia elétrica (pois que sem ela o computador não funcionaria). Em suma: isso tudo é, no mínimo, um insulto aos direitos do cidadão/usuário.
Se em vez uma mensagem eletrônica comercial se tratasse de uma ligação telefônica a cobrar realizada por um desconhecido vendedor, ¿será que Vossa Excelência aceitaria a chamada? Creio que não. Pena que com o
spam a questão seja diferente. Afinal, ou Vossa Excelência recebe a malfadada mensagem que jamais pediu ¡ou não receberá as mensagens que aguarda! Esse é o
spammer: o vendedor que liga a cobrar para vender o que não queremos comprar...
Em termos sociais, a questão se torna muitíssimo mais séria e delicada. Dada à facilidade de utilização e o custo virtualmente nulo dessas mensagens, é comum que um único
email do
spammer tenha milhares de internautas destinatários (quando não, milhões, o que é o comum). Considerando-se, ainda, que os praticantes desse estorvo informático não se restringem a um, mas a uma legião de candidatos a posseiros de discos rígidos, não é desatino imaginarmos que poucos
bits se transformem, incontinenti, ¡em algo que supera os
terabytes! É o milagre da multiplicação dos bits... Só que esse
milagre provoca consideráveis prejuízos aos cidadãos/usuários da rede e aos provedores de acesso, em razão do congestionamento das linhas.
Há quem equipare o
spam à prática do
despejo de duas toneladas de correspondência não solicitada na porta da casa de uma pessoa, de modo a impedi-la a entrar em sua própria casa...
Não vamos tão longe, contudo uma coisa é certa: o nosso direito à privacidade merece mais proteção do que a liberdade dos publicitários de invadir nossas caixas de correio eletrônico, ocasionando um furto de nossos Tempo e dinheiro;-
ii - os prejuízos decorrentes do spamming
Se o número de
spams recebidos diariamente equivalesse ao da correspondência comercial convencional que nos chega através do correio, poderia até ser considerado como “tolerável”, na maioria dos casos. Contudo a proporção dos
spams supera, e em muito, à debitada aos carteiros.
Grosso modo, as vítimas do
spam recebem em
emails não desejados pelo menos o equivalente a vinte e cinco vezes ao que recebem de correspondência comercial convencional. Dest’arte, um cidadão comum recebe cerca de, pelo menos, ¡seis mil
emails não solicitados por ano! Em se admitido que cada um desses
emails demande cerca de trinta segundos para ser recebido, selecionado e apagado, temos que, no correr de um ano são despendidos exatos dois dias e duas horas pelo cidadão/usuário para que possa se livrar do entulho das promoções que em nenhum momento solicitou.
A
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PROVEDORES DE ACESSO, SERVIÇOS E INFORMAÇÕES NA INTERNET DO RIO (ABRANET) noticia um prejuízo da ordem de R$ 90.000.000,00 (noventa milhões de Reais) por mês.
Contudo, na verdade, esse número é bastante superior, haja vista que não são enviados “apenas” 6.000
emails anualmente. Em se considerando que pelo menos um terço dos internautas brasileiros (o que equivale a um milhão de pessoas) receba
spams, ¡atingimos o pantaguélico número seis bilhões de
emails anualmente!
Qual seja: os gentis
spammers fazem com que nós cidadãos/usuários brasileiros arquemos com um prejuízo anual superior a
¡doze bilhões de Reais!
iii - os spams espiões (os spywares)
Com a sofisticação dos
emails com
HTML, advieram novos riscos à nossa segurança, eis que os
spammers descobriram mais uma forma para devassarem nossa privacidade.
Com a utilização dessa tecnologia, os
spammers podem colocar
cookies e outros programas (notadamente de monitoramento) no disco-rígido do computador da vítima.
Uma praxe que se tornou comum na virada do milênio foi o envio de “imagens transparentes” junto com os arquivos de
HTML. Quando lido o
email,
on line, o arquivo oculto nessa imagem transparente entra em ação e avisa o
spammer que seu endereço é ativo. Daí para a frente, prepare-se para a avalanche de
emails que inundará sua caixa de correio eletrônico;-
iv - internet, um serviço de utilidade pública
Ab initio, consideremos que
utilidade é a possibilidade de se fazer uso (que cresce à medida que cresce a necessidade) e que
público é o que diz respeito a uma coletividade. Apoiado nessas bases, de forma categórica podemos afirmar que, independentemente de ser declarada ou reconhecida pelos competentes órgãos como de
utilidade pública, a
internet o é, eis que sua pública utilidade é derivada da situação de necessidade atribuída às coisas. Assim, ¿como contestar, então, a inclusão legal da
internet nessa categoria?
¡Sim! A
internet é um serviço de utilidade pública, eis que sua utilidade é unívoca e inequívoca. Seja na esfera do privado ou na do público, relativamente a comércio ou entretenimento, comunicação ou pesquisa, a
internet passou a ser um bem integrante do patrimônio dos inquilinos de nosso Planeta.
Aliás a
internet é mais que um mero serviço de utilidade pública. A
internet é o
MAIOR serviço de utilidade pública jamais concebido, eis que mundial e, concomitante e paradoxalmente, regional.
E, por ser a
internet um serviço de utilidade pública, entendo que o
spamming deva ser considerado crime, em determinados casos;-
v - a responsabilidade penal do spammer.
Indiscutivelmente o
spamming é crime pois que atenta contra a segurança ou o funcionamento da
internet.
O legislador penal pátrio foi de solar clareza, ímpar oportunidade e desejável atemporalidade quando dispôs, no artigo 265 do diploma penal substantivo o seguinte:
ATENTAR CONTRA A SEGURANÇA OU O FUNCIONAMENTO DE SERVIÇO DE ÁGUA, LUZ, FORÇA OU CALOR, OU QUALQUER OUTRO DE UTILIDADE PÚBLICA:
PENA - RECLUSÃO, DE 1 (UM) A 5 (CINCO) ANOS, E MULTA.
(OS SUBLINHADOS SÃO MEUS)
In casu, o objeto jurídico é a incolumidade pública da rede, o sujeito ativo é o
spammer e o sujeito passivo é a coletividade.
Pelo fato de a conduta do
spammer colocar em risco a segurança da rede das redes - ou o seu funcionamento -, temos a presunção de perigo,
mesmo que a rede não seja paralisada.
Como pontifica o professor
Damásio de Jesus,
é desnecessário que o serviço de utilidade pública seja paralisado. O legislador se contenta com a prática de qualquer ato atentatório à sua segurança ou funcionamento.
Ora, em se considerando a
internet um serviço de utilidade pública, é certo que o envio de milhões de
emails por um único
spammer atenta contra a segurança e o bom funcionamento da rede, posto que em vez de serem atendidos os lídimos e mediatistas interesses dos cidadãos/usuários, passam a ser atendidos os espúrios e imediatistas interesses publicitários dos
spammers.
Dest’arte, no momento em que o
spammer pressiona a tecla
ENTER de seu computador, para enviar as mensagens não solicitadas, há a consumação do crime.
vi – conclusão
Como positivado resta, a conduta dos
spammers coloca em risco a
internet, desviando-a de seus propósitos sociais, culturais e educativos, causando prejuízos a seus cidadãos/usuários e congestionado a rede.
¿Quedar-nos-emos inertes?
vii - do pedido
EX POSITIS, aguardo que Vossa Excelência remeta a presente provocação de sua iniciativa à competente Promotoria de Defesa do Consumidor para que essa, por sua vez, requeira aos provedores de acesso dos
spammers declinados no
caput da presente provocação, sua identificação, seus
logs e as vezes em que enviou os
spams, em como a relação das vítimas deste covarde meio publicitário.
¡Excelentíssimo Senhor Doutor Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo!
Uma vez pontuado meu ponto de vista e as razões que, s.m.j., justificam a instauração de procedimento penal para a apuração dessas responsabilidades, só me resta aguardar a ação deste órgão defensor da cidadania para que valham não apenas os direitos do consumidor (que é menos), mas os direitos do cidadão (que é a base).
SÃO PAULO, 28 de março de 2001
AMARO MORAES E SILVA NETO
OAB/SP Nº 38.203